sábado, 1 de maio de 2010

O diabo no marketing das falsas igrejas

Deus e o Diabo no Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago ( parte I) O Bem e o Mal não são os dois lados de uma mesma moeda? Não seriam, pois, Deus e o Diabo personagens com forças similares dentro do Cristianismo? No século II, o filósofo grego Celso – crítico do cristianismo –, já contestava que os cristãos fossem monoteístas, pois acreditavam no Demônio e achavam que ele podia contrapor-se a Deus. A crença dos cristãos na capacidade que o Diabo possui, de competir com Deus, faria do Inimigo, também, um deus, tão citado nas igrejas, quanto o seu duplo – o Deus com pretensões de ser único. No entanto, Toledo se opõe a isso, afirmando que a questão não é tão simples, as forças não estão no mesmo nível. Segundo ele, "No Cristianismo, Satanás se opõe a Deus, mas lhe é inferior. Faz seu jogo, mas está previamente condenado à derrota..." A fala de Toledo está em consonância com o que se sucede na obra de Saramago, no episódio do encontro entre Deus, Jesus e o Diabo – em alto mar, naquela manhã de nevoeiro – em que o último tem a sua proposta de reconciliação, rejeitada por Deus. Trava-se ali uma espécie de combate entre Deus e o Diabo, após um enfoque bastante crítico, com cinco páginas dedicadas ao relato de Deus, sobre os nomes daqueles que morreriam por questões relacionadas à fé e às formas pelas quais seriam executados. A esse respeito, Tenório conclui: "Seu relato é pior do que a lista de Schindler: ninguém escapa. Guerras, matanças, perseguições, fogueiras, cenário sombrio..." E completa o horror, com palavras da própria personagem Deus: "uma história interminável de ferro e de sangue, de fogo e de cinzas, um mar infinito de sofrimento e de lágrimas" (Saramago, p.381). Diante da carnificina, narrada pelo Pai, Jesus, bastante sensibilizado, questiona: "sendo verdadeiro e único, nem assim podes evitar que os homens morram por ti, eles que deviam ter nascido para viver por ti (...)", sem nenhuma compaixão, o Pai responde-lhe: "os homens sempre morreram pelos deuses, até por falsos e mentirosos deuses (...)" (Saramago, p. 380). Ao contrário da falta de sensibilidade mostrada por Deus, pelas mortes que haveriam de acontecer em seu nome, o Diabo – que nenhuma vez, nessa inversão paródico-irônica, fez jus a ser chamado de o representante do mal, pelo contrário – aparece ora como o anjo da anunciação, ora como um pastor – de quem Jesus recebe ensinamentos de ética, teologia, independência, liberdade,..., mostra-se compadecido pelas mortes narradas.Arrisca-se, assim, o Diabo, a interferir nos planos de Deus, com o argumento de que, se ele é a causa da desobediência, da não adoração a Deus, queria, então, ser recebido no céu outra vez, sendo obediente, não ousando querer ser igual a Deus, nem se rebelando contra a sua autoridade. Como prova dessa intenção, ainda diz: "(...) eu cantarei, na última e humilde fila dos anjos que te permaneceram fiéis, mais fiel então do que todos, porque arrependido, eu cantarei os teus louvores (...)" (Saramago, p. 392). Se fosse eliminada a figura do Mal, considerada a raiz de toda a rebeldia, os homens naturalmente se voltariam para Deus, sem necessidade do sacrifício de Cristo na cruz, das mortes nas Cruzadas, ou pela Santa Inquisição que mataria todos que cometessem a heresia de duvidar de Deus e/ou ousassem crer em outros deuses, conforme reza esse novo evangelho: "(...) então se acaba aqui hoje o mal, teu Filho não precisará morrer, o teu reino será não apenas esta terra de hebreus, mas o mundo inteiro(...)" (Saramago, p. 392). Mas, na recusa de Deus à proposta do Diabo, o narrador cria argumentos para a sua personagem, de modo a convencer-nos de que, nesse episódio, o Diabo mostrou-se muito mais sensível e bem intencionado que Deus, que, em resposta ao Diabo, disse que não o queria de volta como um anjo de luz. E mais que isso, propôs que, se possível, se transformasse em pior, pois quanto pior ele fosse, mais revelaria a bondade deDeus: "(...) porque este Bem que eu sou não existiria sem esse Mal que tu és, um Bem que tivesse que existir sem ti seria inconcebível (...)" (Saramago, p.392). As palavras de Deus são de pleno acordo com as já ditas a Jesus, pelo Diabo na figura do Pastor: "(...) olha que se encontrássemos o Diabo e ele deixasse que o abríssemos, talvez tivéssemos a surpresa de ver saltar Deus lá de dentro."( Saramago, p.242). Até mesmo os anjos de um e de outro, às vezes, é impossível de serem diferenciados. É como se um fizesse contraponto ao outro. Seríamos nós, assim, feitos à imagem e semelhança dos dois, carregando cada um, o Bem e o Mal, na mesma medida, dentro de si.

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